terça-feira, 6 de maio de 2008

Escola Soviética de Montagem - 1

Da revolução à arte, da arte à revolução


Em 4 de maio de 1896, cinco meses depois da primeira projeção pública do cinematografh, o incipiente mundo do cinema alcançou a Rússia, através da exibição de um curta-metragem dos irmãos Lumière, que mostrava cenas da vida cotidiana na França. Em pouco tempo, surgiram dezenas de salas de projeção em São Petersburgo e Moscou, patrocinadas pelas companhias cinematográficas francesas (Pathé e Gaumont), conseqüência do processo de penetração de capital francês na economia russa, iniciado em finais do século XIX. Nesse primeiro momento, o cinema produzido na Rússia se limitava ao registro de cenas da vida familiar e cerimonial do Czar Nicolau II. Em 1908, foi realizada a primeira película de ficção russa: Stenka Razin, de dez minutos de duração. Em 1911, foi concluído o primeiro longa-metragem produzido em território nacional — A defesa de Sebastopol —, dirigido pelo cineasta Vassili Gontxarov, que tratava da Guerra da Criméia. De 1911 a 1917, a produção de filmes russos cresceu consideravelmente, sobretudo no período da Primeira Guerra Mundial, com a realização de centenas de filmes patrióticos. O cinema pré-revolucionário se caracterizava pela imitação dos estilos ocidentais e pela adoção do realismo e da linearidade como elementos centrais.


Aleksandr Dovhzenko


A Revolução Bolchevique, em 1917, abriu novas perspectivas para a arte na União Soviética, principalmente na esfera cinematográfica. Com o movimento de Outubro, surgiu uma nova estética revolucionária: a arte foi convertida na materialização do espírito da Revolução. Os jovens artistas deram início à contestação da arte burguesa e proclamaram o direito das massas a terem acesso à cultura. As formas tradicionais de cinema foram rejeitadas. Ao realismo burguês, eles propuseram métodos completamente inovadores. Nesse momento, a arte passou a ser concebida também como um instrumento para a edificação e consolidação do socialismo, cuja função seria educar o espírito do povo. A obra de arte deixou de ser uma obra individual, uma propriedade privada, orientando-se para a mobilização das massas. Ao cinema, caberia um papel de destaque nessa tarefa educacional da arte, visto que a grande maioria da população russa era analfabeta. Pela primeira vez, um Estado consagrava o cinema enquanto arte e lhe atribuía um lugar tão destacado.


Vsevolod Pudovkin


Em 1917, foi criado o Comissariado do Povo para a Instrução Pública (Narkomprost), sob a direção de Lunacharsky e, em 1918, foi aberta uma subseção de cinema (Kinopotdel), que ficou sob a supervisão de Krupskaia, mulher de Lenin. Um ano depois, toda a produção cinematográfica foi nacionalizada.

A conjuntura político-econômica do recente Estado Operário era extremamente difícil. Em meio à guerra civil, a situação de fome e desespero se alastrava pelo país. Os antigos cineastas haviam emigrado para a França, Alemanha e EUA e faltavam recursos para novas produções. Não obstante toda a precariedade técnica e a carestia de material, começou a se desenvolver um novo cinema na Rússia, inicialmente voltado para a propaganda nas frentes de batalha (Agiptrop e Agitki). A carência de rolos de filmes virgens fazia com que fossem aproveitados pequenos pedaços não revelados, que eram compostos através da técnica da montagem. Essa experiência foi de suma importância para o desabrochar de um movimento cinematográfico inovador que iria revolucionar as técnicas de cinema na União Soviética e no mundo todo. Dessa explosão inicial, emergiram grandes cineastas como Lev Kuleshov - Aventuras Extraordinárias de Mister West no País dos Bolcheviques (24) Po Zakonu (26); Vsevolod Pudovkin - A Mãe (24), Tempestade Sobre a Ásia (28); Dziga Vertov - Câmera Olho - Réquiem a Lenin (24), Um Homem Com Uma Câmera (29); Aleksandr DovzhenkoArsenal (28), Terra (30) e Sergei Eisenstein - A Greve (24),O Encouraçado Potemkin (25), Outubro (27), O Velho e o Novo / A Linha Geral (30), Que Viva México! (32), Alexander Nevsky (38), Ivan o Terrível - Parte I (44), Ivan o Terrível - Parte II (48). Toda essa geração de artistas recebeu uma forte influência das vanguardas européias do início do século e, em especial, do futurismo, que muito contribuiu para a construção da nova arte.

Po Zakonu(26)


Com o fim da guerra e a superação da crise, esse movimento teve as condições materiais básicas para crescer e se desenvolver. Um dos elementos mais importantes nesse processo inicial de criação foi a existência da liberdade de ação e de expressão reinante no universo da arte. Tal condição foi garantida pela postura de Lunacharsky e de alguns líderes bolcheviques. O Estado tinha consciência da importância ideológica da arte e, em especial do cinema, e buscava transformá-la em um instrumento para a construção do socialismo. Mas, ao mesmo tempo, também percebia o valor e o significado da liberdade criadora artística. De todos os dirigentes bolcheviques, Trotsky foi aquele que mais radicalmente defendeu essas duas perspectivas. Em 1923, ele fez a seguinte afirmação:

O fato de, até agora, não termos ainda dominado o cinema prova até que ponto somos desastrados e incultos, para não dizer idiotas. O cinema é um instrumento que se impõe por si só, ele é o melhor instrumento de propaganda

A Mãe (24)


Entretanto, ele acreditava que a utilização do cinema como instrumento de propaganda deveria se dar não como conseqüência de uma imposição do Estado, mas como resultado de uma opção conscientemente revolucionária dos cineastas. No domínio da arte, defendia a total liberdade de criação. É isso que nos confirma Maurice Nadeau no prefácio da obra de Trotsky, Literatura e Revolução:

Fora de critérios categóricos: "a favor ou contra a revolução", a política do Partido — e Trotsky a fórmula sem ambigüidades — resumia-se em um princípio: "liberdade total de autodeterminação no domínio da arte".

Câmera Olho - Réquiem a Lenin (24)


No período posterior à morte de Lenin, essa posição foi sendo, progressivamente, suplantada pelo dirigismo partidário, culminando com a consolidação do realismo socialista nos anos trinta. Os artistas, por sua vez, tornaram-se completamente vulneráveis às pressões do Estado. Este também foi o destino de Sergei Eisenstein. O filme Traição na Campina (35) o mais belo e lírico filme de Eisenstein. Por causa dele o diretor foi banido pelos oficiais de Stalin em 1937 e as cópias do filme foram destruídas pelas bombas nazistas na 2ª Guerra. Somente com os fantásticos stills, imagens e frames que sobreviveram da montagem original, conseguiu-se reconstituir meticulosamente, os 30 min. baseados no roteiro original. Totalmente proibido na URSS, este filme é obra da abnegação e coragem daqueles que arriscaram a vida para preservar o material que permitiu esta montagem.



Eisenstein segue o curso da história

Nascido na cidade de Riga, em fins do século XIX, Eisenstein passou a infância e a adolescência distante da agitação política da Rússia pré-revolucionária. Ao completar 17 anos, mudou-se para Petrogrado para ingressar no curso de engenharia civil, pretendendo seguir a carreira profissional do pai. Durante os dois anos que permaneceu no Instituto dos Engenheiros Civis, desenvolveu o gosto pelo raciocínio lógico, que lhe seria útil alguns anos mais tarde no processo de elaboração de suas teorias cinematográficas. Foi também nesse período que ele iniciou os primeiros contatos com o mundo da arte e da política.


Que Viva México (32)


Em 1917, foi convocado para prestar o serviço militar, alistando-se na Escola Preparatória para Oficiais. Seu destacamento foi enviado para o front em agosto. Nesse momento, Eisenstein deu os primeiros passos no sentido de unir a arte aos ideais revolucionários. Ele tornou-se bastante conhecido no exército, em função das caricaturas que fazia sobre o Governo Provisório.

Após a tomada do poder pelos Bolcheviques e o início da guerra civil, Eisenstein ingressou como voluntário no Exército Vermelho, partindo logo depois para combate no front Noroeste. Sua maior contribuição durante a guerra foi organizar grupos teatrais de propaganda engajada, cujas peças eram exibidas aos soldados. Ao retornar, abraçou definitivamente a vida artística, tornando-se, em 1920, ator, diretor e cenógrafo do Primeiro Teatro Operário, o Proletcult.



Ainda no teatro, Eisenstein começou a formular as teorias que comporiam a base de sua linguagem cinematográfica. Como a maior parte dos artistas dessa época, Eisenstein estava de pleno acordo com o princípio da utilidade revolucionária da arte. Defendendo a aplicação do método marxista à arte, desejava a união desta com a política, a ciência e a história, lutando pela criação de uma arte totalizante, pela corporificação da idéia da realização da unidade. Dentro dessa linha de pensamento, foi elaborando a teoria da montagem, que estruturaria toda a sua obra ulterior. Compreendendo que o teatro impunha certos limites à aplicação da montagem, logo ingressou no universo cinematográfico. Em 1923, realizou seu primeiro filme (um curta-metragem) — O cinediário de Glumov —, caricatura da classe dominante às vésperas da Revolução. Um ano depois, dirigiu seu primeiro sucesso: A greve.


A Greve (24)


A greve surgiu como resultado da transformação de um projeto inicial, intitulado Em direção à ditadura, que visava refletir, através de sete episódios, as mudanças transcorridas na Rússia entre 1900 e 1917. Sua versão final se concentrou na história de uma greve, ocorrida em 1912, duramente reprimida pelas forças czaristas. Na verdade, o filme não contém uma narração linear dos acontecimentos, com intrigas e personagens principais. Trata-se de uma demonstração da força contagiante das massas em revolta. Seu objetivo, nunca negado pelo autor, era propagar o espírito revolucionário, assim como a sua necessidade histórica. Considerado como o primeiro filme proletário, a película obteve uma grande aceitação nos setores governamentais e na intelectualidade soviética.


A greve já contém os elementos teóricos daquilo que Eisenstein chamou de "montagem de atrações". Experiências anteriores já haviam comprovado que a justaposição de dois elementos numa película poderia criar uma nova significação completamente distinta dos significados originais de cada elemento. Esse processo de manipulação de imagens, alcançado através da montagem, passou a ser utilizado voluntariamente pelos diretores cinematográficos. Eisenstein desenvolveu esses princípios elementares da montagem, defendendo ainda a necessidade de momentos abaladores, impetuosos, chocantes (as atrações) que gerassem no espectador, através dos dispositivos emocionais, um efeito psicológico matematicamente calculado pelo autor. Esses "momentos abaladores" seriam conseguidos através da utilização da montagem e de recursos especiais como fortes contrastes, repetição e ritmo frenético das imagens e digressões simbólicas. Muitas de suas conclusões foram baseadas no princípio de condicionamento de Pavlov, nas técnicas de associação e de lavagem cerebral. Com Eisenstein, o cinema se transformou conscientemente em uma máquina-psicológica que, inicialmente, ficou a serviço da revolução. De acordo com os estudiosos Furhammar e Isaksson, as teorias eisensteinianas fizeram do diretor um ditador que aprisionou o espectador, acabando por formular os princípios básicos dos filmes de propaganda que se baseiam na idéia de que

... através da manipulação da imagem cinematográfica da realidade é possível também se manipular os "conceitos" do espectador sobre a realidade — isto é, os conceitos sobre os quais fundamenta suas atitudes e ações.


Apesar dessas conclusões não serem de todo equivocadas, elas apresentam uma visão parcial da questão, visto que não se trata apenas de compreender que o cinema proposto por Eisenstein visava a fins propagandísticos, o que o próprio autor não escondia, mas sim de analisar esse elemento dentro de uma concepção geral de arte que, de forma alguma, se limitava à propaganda.

Todas as aplicações teóricas realizadas em A greve foram novamente adotadas no segundo filme de EisensteinO Encouraçado Potemkin, dessa vez de forma muito mais elaborada e consistente. Encomendado pelo Estado Soviético para a comemoração do vigésimo aniversário da Revolução de 1905, Potemkin assegurou para Eisenstein o maior sucesso de sua carreira artística e mesmo da história do cinema soviético. Ele foi aplaudido entusiasticamente pelos revolucionários de toda a Europa Ocidental, assim como pela intelligentsia e pelos dirigentes soviéticos. Essa recepção foi resultado, em parte, da perfeição plástica do filme e, principalmente, da força do espírito revolucionário que ele transmitia. É o que depreende Sadoul, por exemplo, quando afirma que

... o sucesso da obra deveu-se sem dúvida a uma forma e uma perfeição inegáveis, mas sobretudo ao calor humano e a fé entusiástica que impulsionavam um tema revolucionário jamais abordado na tela.

O Encouraçado Potemkin (25)



O filme tem como tema a revolta dos marinheiros de um encouraçado, Potemkin, contra a opressão a que estavam submetidos. Esse motim, na realidade, foi um dos acontecimentos que marcaram o movimento revolucionário de 1905, que, inclusive, não se encontrava presente na historiografia oficial da União Soviética. Para a produção do filme, Eisenstein teve que realizar um duro trabalho de pesquisa histórica: buscar vestígios, colher depoimentos, consultar a documentação oficial, construindo assim sua imagem do acontecimento. Nas filmagens, ele não utilizou atores profissionais, procurando, ao máximo, aproximar-se do espírito de 1905, ainda vivo na memória de muitos habitantes da cidade. O filme conseguiu documentar não apenas um acontecimento isolado, o motim dos marinheiros do Potemkin, mas a Revolução de 1905 como um todo, a situação de degradação, de opressão, de miséria da população russa e de todos os povos que se encontravam historicamente subjugados. O Encouraçado Potemkin proclama, em última análise, a necessidade da revolução mundial, cujo primeiro passo havia sido dado pela Rússia em 1917.


Eisenstein

No entanto, Potemkin, assim como todos os filmes de Eisenstein, não conseguiu agradar ao grande público, às massas, que eram, na verdade, o grande herói das suas primeiras produções e a quem elas visavam alcançar. Isso se deveu, em grande medida, à complexidade da sua linguagem, que estava muito além das possibilidades de entendimento da população russa, composta, em sua maioria, por camponeses iletrados. De acordo com o historiador Arnold Hauser, pode-se dizer que

... o grande público não reage ao que é artisticamente bom ou ruim, mas às impressões pelas quais se sente tranqüilizado ou alarmado em sua própria esfera de existência. Interessa-se pelo que possui valor artístico, desde que seja apresentado em harmonia com sua mentalidade.

Eisenstein

Uma outra hipótese para a "rejeição" popular aos filmes de Eisenstein vincula-se à não aceitação da própria Revolução por grande parte da população camponesa. A tendência natural do espectador médio é apreciar apenas os filmes com os quais se identifica e que compartilham seus valores.

Mesmo não alcançando plenamente seu objetivo final, conscientizar as massas da necessidade da revolução e da construção do socialismo, esses dois filmes desempenharam um grande papel histórico na sociedade soviética. Eles marcaram a primeira fase da história da Rússia pós-1917, da tomada de poder, da luta pela consolidação interna da Revolução e pela sua expansão externa (revolução mundial) e da liberdade de criação. Enfim, essas duas películas registraram, com alto grau de sensibilidade e autenticidade, a existência de um espírito verdadeiramente revolucionário.


O Encouraçado Potemkin (25)


Paralelamente ao desenvolvimento do que poderíamos chamar de idade de ouro do cinema russo, a sociedade soviética assistia ao surgimento de forças contra-revolucionárias no interior do Partido Bolchevique. O isolamento da Revolução e as duras condições de sobrevivência do regime facilitaram a criação de uma casta burocrática que, pouco a pouco, foi usurpando o poder revolucionário e se afastando das massas. Esse processo de "degeneração burocrática", como o denominava Trotsky, foi liderado e conduzido por Joseph Stalin que, em 1922, havia se tornado Secretário Geral do Partido. A morte de Lenin, em 1924, acelerou o processo de burocratização do Estado soviético, pondo fim, definitivamente, à primeira fase da história da União Soviética, caracterizada pela existência de liberdade política. Iniciou-se um período de lutas internas pela sucessão do poder entre a velha guarda bolchevique, liderada por Trotsky, e o aparelho burocrático, conduzido por Stalin. Essa disputa verificou-se, no campo teórico, através da oposição das teorias da revolução mundial, defendida pelos bolcheviques, e a do Socialismo num só país, criação stalinista. Através do jogo político de bastidores e da aplicação do terror generalizado, Stalin conseguiu derrotar seus opositores, assegurando o poder em nome de uma classe privilegiada: os apparatchiks17. No entanto, isso não ocorreu de maneira instantânea e sem a reação de alguns setores da população, contrários à nova linha política do Partido. Somente nos anos trinta, após a dizimação completa da antiga liderança bolchevique e de todas as forças internas de oposição, Stalin conseguiu consolidar sua hegemonia.


O Encouraçado Potemkin (25)

Essas transformações no cenário político da União Soviética se refletiram violentamente nas manifestações artísticas e, em especial, no cinema. Lunacharsky foi substituído, segundo ordens de Stalin, por Boris Shumgatsy, homem de sua "confiança". Progressivamente, a atmosfera de liberdade artística foi cedendo lugar à censura, à repressão e à transformação da arte em um instrumento vulgar de glorificação do Partido, de sua política e, mais tarde de seu líder, Stalin. Com a adoção do realismo socialista, em 1934, essa política foi oficializada e tomada como dogma. O cinema passou a servir, de modo irrestrito, aos interesses da burocracia, limitando-se a se constituir em uma ferramenta de educação para o ensino do "socialismo". Na verdade, seu único objetivo tornou-se a exaltação do Partido e de seu líder. Muitos artistas que haviam participado ativamente da Revolução não suportaram conviver com essa atmosfera de terror e acabaram se suicidando, como Maiakovsky e Essenin.

Os cineastas não podiam mais escolher os temas de seus filmes e todos os detalhes de seu trabalho eram submetidos à apreciação do Partido. Cada roteiro, por exemplo, tinha que ser analisado por 28 repartições de censura antes de ser liberado. Sem falar da equipe de produção que era, muitas vezes, indicada por burocratas, sem nenhum critério de escolha que não o político rasteiro.


O Velho e o Novo / A Linha Geral (30)

Em 1927, quando já tinha iniciado as gravações de um filme sobre as fazendas coletivas, denominado, inicialmente, de O novo e o velho, Eisenstein teve que interromper seu trabalho para atender a uma solicitação do partido: realizar um filme sobre a Revolução de Outubro em vistas da comemoração do seu décimo aniversário. Para a produção, Eisenstein contou com abundantes recursos e com toda a infra-estrutura de que necessitou. O Palácio de Inverno ficou a sua disposição durante meses e, como havia racionamento de energia, a cidade de Leningrado teve que permanecer sem luz durante várias noites em função do filme.


O Velho e o Novo / A Linha Geral (30)


Outubro é uma película que, apesar de manter muitas das características dos filmes anteriores do diretor, já demonstra algumas transformações de estilo. Esse filme é o resultado da aplicação de um novo método de montagem elaborado pelo diretor, denominado de "montagem intelectual". Esse método visava a cinematização de conceitos abstratos, de fenômenos intelectuais e de teses logicamente formuladas. Uma película não teria por objetivo a narração de acontecimentos, mas sim de sistemas de noções que seriam apreendidos pelo espectador através do esforço intelectual, auxiliado por estimulantes visuais, auditivos e bio-motores. O grande sonho de Eisenstein, no que concerne ao cinema intelectual, era realizar um filme que retratasse nas telas O Capital de Marx, o que nunca foi permitido por Stalin.


Karl Marx


Outubro apresenta ao espectador alguns episódios que marcaram o período compreendido entre fevereiro e outubro de 1917. A participação do Partido Bolchevique é destacada, mas seu papel não é exaltado. A única liderança que se destaca é a de Lenin. Stalin não aparece no filme nenhuma vez. Na realidade, estamos nos referindo à versão oficial, posterior à censura. O filme original tinha quase três horas de duração: mais de uma hora de filme foi cortada, sobretudo as cenas nas quais Trotsky, Zinoviev e Kamenev apareciam. No único momento da versão final do filme em que Trotsky aparece, sua atuação é distorcida e apresentada de um ângulo negativo.

continua...