terça-feira, 29 de janeiro de 2008

História do Rock no Cinema – Parte 3: The Beatles

Mesmo tocando desde a adolescência, a história profissional da banda dos quatro rapazes de Liverpool começa na Alemanha e, naquela época, eles eram cinco: John, Paul, George, Pete e Stu. Com um contrato para tocar num bar de uma área barra pesada de Hamburgo, se apresentando a noite inteira entre um strip-tease e outro, eles amadureceram como banda. Essa pré-história dos Beatles seria conhecida apenas pelos fãs mais ardorosos se não fosse pelo filme de 1994 chamado Os cinco rapazes de Liverpool (Backbeat), dirigido por Iain Softley.

O enredo é centrado na figura de Stuart Sutcliffe (Stephen Dorff), o melhor amigo de John Lennon (Ian Hart). O longa retrata muito bem essa fase da banda, principalmente a amizade entre os dois colegas e o namoro do primeiro com Astrid Kirchherr (Sheryl Lee). Quando conheceu a banda, Astrid namorava Klaus Voormann, que depois iria desenhar a capa do disco Revolver (1966) e tocaria baixo na Plastic Ono Band ao lado de John Lennon. Foi Astrid quem bateu as primeiras fotos promocionais dos Beatles e também criou o corte de cabelo “beatle”. Mesmo com algumas imprecisões históricas, o essencial da história da banda está lá: o pouco talento de Stu para tocar baixo e seu interesse pela pintura, a irreverência de John, o primeiro contato com anfetaminas, a gravação como banda de apoio de Tony Sheridan.

O filme deixa de fora um fato importante: foram John e Stu que criaram o nome do grupo, juntando as palavras “Beetles”, que eram as motoqueiras do filme O Selvagem (1953), com o “beat” da música. Stu morreu em 1962 de hemorragia cerebral, um dia antes dos Beatles chegarem para uma nova temporada em Hamburgo.

A trilha sonora é composta por músicas que os Beatles tocavam na época, em sua maioria covers de canções clássicas como Long Tall Sally, Rock & Roll Music e Carol interpretadas por uma banda especialmente montada para o projeto e que incluía gente como Dave Grohl (então no Nirvana), Thurston Moore (Sonic Youth), Dave Pirner (Soul Asylum), Mike Mills (R.E.M.) e Greg Dulli (Afghan Whigs).

Essa, porém, não foi a primeira vez que o ator Ian Hart interpretou John Lennon. Em 1991, ele havia feito o filme The Hours and the Times, uma ficção sobre uma viagem de John e o empresário Brian Epstein para a Espanha em 1963. Existe um outro filme pouco conhecido sobre essa fase inicial da banda chamado Birth of the Beatles, de 1979, dirigido por Richard Marquand, o mesmo de O Retorno de Jedi (1983). O que falta é um filme sobre a vida de Pete Best, que foi substituído por Ringo Starr às vésperas de gravarem o primeiro disco.

A beatlemania

Em 1964, a banda fez sua primeira excursão aos EUA e uma célebre aparição no programa do Ed Sullivan. Embora seja difícil separar os dois fatos, eles foram lançados cada um em um DVD, chamados The Four Complete Historic Ed Sullivan Shows Featuring The Beatles (DVD Duplo) e The Beatles - The First U.S. Visit. A visita à terra do Tio Sam também foi tema de um simpático filme dirigido por Robert Zemeckis, em 1978, chamado Febre de Juventude (I Wanna Hold Your Hand), em que um grupo de jovens tenta assistir à banda ao vivo no Ed Sullivan Show.

Ao atravessarem o Atlântico de volta à Inglaterra a banda estrelou o seu primeiro filme oficial. O título inicial seria Beatlemania, mas foi alterado para A Hard Days Night (no Brasil, Os Reis do Iê-Iê-Iê) após Ringo proferir essa frase por acaso, dando a idéia para John compor a música. Havia pressão para que a produção fosse rápida porque acreditava-se que a moda dos Beatles não duraria até o fim daquele ano. O filme mostra a “rotina típica” da banda: fugindo dos fãs, se apresentando, dando entrevistas... Tudo com muito bom humor. O diretor Richard Lester imprimiu um ritmo que virou padrão nos filmes de rock e influenciou até a linguagem da MTV, que só surgiria muito tempo depois.

Entre várias curiosidades da produção, vale destacar duas: entre os vários fãs da banda que estavam na platéia do programa de televisão havia um adolescente chamado Phil Collins (ele mesmo!); uma das figurantes das cenas do trem era uma modelo chamada Pattie Boyd, que depois iria se casar com George Harrison. E aqui cabe um parêntese. Em homenagem à esposa, o guitarrista compôs, por exemplo, Something, do álbum Abbey Road (1969). O melhor amigo dele, Eric Clapton, também se apaixonou por Pattie, que o inspirou a compor as canções Layla e Wonderful Tonight, entre outras. Após separar-se de Harrison, Pattie casou-se com Clapton.

O segundo filme dos Beatles é de 1965. O título seria Eight Arms to Hold You, mas foi alterado para Help!, também com direção de Richard Lester. Trata-se de uma ficção cômica, em que Ringo ganha um anel de um fã. O problema é que aparece uma seita que quer matar quem estiver usando o anel e acaba perseguindo a banda por vários países. Na época da produção, os Beatles estavam mais interessados em fumar maconha do que atuar. Mas, mesmo assim, o resultado é interessante.

Psicodelia na tela

Até o terceiro filme do quarteto, passaram-se apenas dois anos, mas muita coisa mudou na banda. Eles desistiram de fazer shows, mudaram o visual e a atitude, o empresário Brian Epstein morreu, passaram a compor músicas mais elaboradas, experimentaram LSD e lançaram um disco que é um verdadeiro marco da história da música, o Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967).

Com total liberdade artística para esta terceira película, o grupo resolveu fazer a sua própria produção, escrever o roteiro e dirigir. Saíram andando num ônibus, com uma câmera na mão, sem nenhuma idéia na cabeça. O resultado foi Magical Mystery Tour, exibido no Natal de 1967 pela BBC. Totalmente massacrado pela crítica, o filme foi um fracasso de público. Um dos motivos dessa reação inicial é que o projeto foi filmado em cores, mas exibido em preto e branco. O filme é uma viagem psicodélica e por isso bastante colorido, assim, sem as cores, muitas cenas perderam o sentido. Mas mesmo assim, saíram de Magical Mystery Tour ótimos clipes, como “I Am the Walrus”, que alguns consideram uma obra de videoarte. Steven Spielberg disse que o filme foi estudado atentamente na sua faculdade. Ou seja, Magical Mystery Tour merece uma boa revisão crítica para avaliar se é apenas uma besteira ou uma algo relevante.

Pelo contrato feito por Brian Epstein, a banda ainda devia um filme. Quando estava vivo, o empresário havia pensado num longa de animação. Paul queria algo ao estilo Disney, mas os produtores apareceram com a idéia de uma animação psicodélica. Ninguém da banda estava muito interessado nesse filme, mas havia um contrato a cumprir. Liberaram algumas músicas já editadas e gravaram mais algumas sem muito entusiasmo. Nem mesmo se interessaram em dublar os personagens do desenho animado e apareceram no vídeo apenas no finalzinho. Mas quando viram o resultado pronto mudaram de opinião. Yellow Submarine, de 1968, ficara muito além da expectativa da banda. O longa é considerado um clássico da animação, admirado por críticos e público, e agrada a pessoas de qualquer idade.

O fim

Em janeiro de 1969, o quarteto resolveu fazer um documentário chamado Get Back, que mostraria os ensaios e gravações de um disco até o retorno aos palcos, num grande show. Mas nem tudo saiu como deveria. Já estavam num processo de dissociação, com alguns já não agüentando mais os outros – e a câmera captou tudo isso. John estava mais interessado em Yoko Ono e nas drogas. George sentia-se tolhido por Paul, que não lhe dava mais espaço nos discos. Paul muitas vezes parecia um ditador, o dono da banda. Ringo era o único que segurava as pontas.

Como tudo deu errado, não haveria o grande show de retorno do grupo, mas o filme precisava de um encerramento. Então, resolveram fazer uma pequena apresentação no telhado da gravadora durante o horário de almoço. O momento foi histórico e causou problemas no trânsito, até que a polícia chegou e mandou parar tudo. Foi a última vez que os Beatles tocaram juntos. Isso deve ter dado algum fôlego para eles, que gravaram ainda mais um disco, Abbey Road (1969), antes do inevitável fim. O filme foi lançado em 1970, após o fim dos Beatles, com o nome de Let It Be. Não fez muito sucesso. Não porque era ruim, mas porque mostrava a banda de um jeito que os fãs não queriam ver, num momento em que não havia mais alegria de tocarem juntos. Talvez por isso o documentário não tenha sido lançado oficialmente em DVD ainda.

fonte: omelete